sábado, 17 de novembro de 2012

A escravidão no Brasil colônia

Durante quatrocentos anos a escravidão assombrou o Brasil colônia. A característica da economia decidiu o tipo de escravidão e determinou o futuro de um país. O período de escravidão no Brasil é considerado o momento de maior crueldade histórica. Cenas de punições e torturas eram muito frequentes no cotidiano do Brasil colônia, época em que os negros eram considerados mercadorias rentáveis e de raça inferior.


O descobrimento do Brasil acontece em 22 de abril de 1500, quando as caravelas de Pedro Álvares Cabral chegaram ao Brasil. Porém, com a divisão administrativa que foi feita, as chamadas Capitanias Hereditárias, e o alto custo de manutenção, o país só começou a ser colonizado de fato trinta anos depois, com a fundação das primeiras vilas e a introdução da cana-de-açúcar e a escravidão africana como principal fonte de lucros.

O primeiro povo a ser escravizado foram os indígenas. Sua principal função era a extração de pau-brasil, madeira usada para a fabricação de tinturas. O trabalho era considerado compulsório e para compensar as horas trabalhadas os índios trocavam mercadorias, uma prática conhecida por escambo. Com a necessidade de proteger a colônia de invasões e introduzir uma atividade econômica produtiva na região os portugueses decidiram implantar os engenhos de cana-de-açúcar, matéria-prima com grande aceitação na Europa e que se adaptou muito bem ao clima brasileiro.

Depois de instalar os engenhos de açúcar na colônia, por uma questão econômica e a necessidade de mão de obra qualificada para trabalhar nos engenhos, Portugal começa a investir no tráfico de escravos. O primeiro navio de escravos chega a Salvador a partir de 1560. Para a historiadora Marli Geralda “A característica da economia decidiu o tipo de escravidão, o africano era considerado como uma coisa que falava”. “Duas forças permitiram que a escravidão permanecesse no Brasil: pressão externa (dos traficantes de escravos, comércio que gerava muito dinheiro) e condição interna (a produção agrícola de cana-de-açúcar que precisava de mão de obra especializada)”, diz.

De acordo com o professor de história Carlos Francisco, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a escravidão começa a partir do século 16 e permanece até o começo do século 19. “Durante esse período várias mudanças ocorreram em relação aos tipos de escravidão, a primeira fase é constituída por escravos africanos, e o tipo de escravidão era rural. Com o desenvolvimento urbano no país e o descobrimento do ouro em Minas Gerais, os escravos agora são descendentes de africanos, os chamados criollos, e aescravidão é urbana”.

Centro histórico de Salvador
O mercado de escravos acontecia na região portuária, os navios atracavam na cidade baixa (área doMercado Modelo de Salvador) e ali os escravos eram expostos nas lojas. De acordo com Carlos, o exame antes da compra era feito no próprio local. “Era na região portuária que aconteciam os exames de verificação. Os senhores olhavam os dentes, buscavam por escravos sadios, sem nenhum tipo de doença e compravam sempre os mais fortes (escravos trazidos do ocidente da África)”.

Pelourinho era o centro administrativo e político da cidade alta, lá estavam localizadas as principais instituições. Segundo Carlos, no pelourinho só viviam pessoas ricas, e o local só servia para castigar escravos na frente dos outros como forma de exemplo.

A palavra pelourinho se refere a uma coluna de pedra, localizada normalmente ao centro de uma praça, onde criminosos eram expostos e castigados. No Brasil Colônia, era, principalmente, usado para castigar escravos.

Marli afirma que o famoso bairro de Salvador era um local requintado, “As pessoas que moravam lá eram os senhores e as senhoras da alta sociedade da antiga capital do país”. Ela ainda acrescenta que, como as punições aconteciam no largo do pelourinho, as pessoas que moravam nas redondezas se incomodavam com o barulho que os escravos faziam durante as punições, por isso o local de castigo acabou mudando de lugar várias vezes.

As principais ideologias da época eram dominaçãodiferença e exclusão. Segundo Marli, a regra para os escravos era a obediência que vinha do porão e da senzala. Outra ideia muito forte na época era a de que o tráfico negreiro tirava os escravos do paganismo e trazia a salvação. Foi nesse período que o jesuíta Jorge Bence escreveu o livro “Economia cristã dos escravos”, uma espécie de manual para instruir os senhores em relação ao tratamento que deveria ser dado aos escravos.

Com base nisso, ele também desenvolveu a lei dos 3 “pês”Pano ( para vestir), pão (para comer e aguentar o trabalho) e pau (para andar na linha). Essa era uma mensagem cristã para não matar o escravo e não deixar ao relento, isso tudo para “cuidar” da principal mercadoria, o escravo. Marli acrescenta que ter um escravo era estar ao lado de quem dominava e as maiores preocupações de um escravo alforriado era comprar um sapato, já que eles não podiam usar calçado e depois comprar um escravo.

Quanto à punição dos escravos, ambos os historiadores foram bem claros, os castigos eram brutais. Os tipos de penitência mais comuns eram mãos cortadaschibatadastroncosargolasgargalheiras,correntes nos pés e até mesmo permanecer durante horas fazendo a mesma atividade. Tudo dependia do bom senso e da moral do senhor. Para conter o excesso de castigo, a partir do século 17, um conjunto normativo de leis foi formado por Portugal. Nessas ordens régias, os senhores eram “obrigados” a ter província e cautela com os escravos, o que segundo Carlos Francisco, não acontecia. “Os senhores tinham noção dos castigos, mais eles tinham que dar exemplo para os escravos rebeldes. As leis existiam, mas não eram cumpridas de forma integral”.

De acordo com Carlos, existem alguns casos de africanos que entraram na justiça contra os seus senhores, porque eles acreditavam que os castigos estavam passando dos limites. O mais famoso é o de 1890, da escrava Úrsula (do Congo) contra a sua senhora Ana Cavalcanti. Os casos eram analisados pela corte portuguesa e o julgamento dependia do bom senso do rei. Neste caso a escrava saiu vitoriosa, Dom Pedro II determinou que a escrava fosse vendida a outro senhor.

Para Marli Geralda, a memória do negro em Salvador tem pouco a ver com a do centro histórico, lugar onde hoje se obtém muito lucro com turistas. “Lá [o pelourinho] o negro foi a vítima, eles não tem do que se lembrar”, diz. Ela acredita que as heranças da cultura africana estão presentes nos lugares mais inusitados. Principais lugares que marcaram a história e que não estão presentes no circuito do turismo:

Praia do chega nego: Atualmente localizado no Jardim dos Namorados, o principal lugar de tráfico e contrabando de escravos, dessa forma o desembarque acontecia e não era preciso pagar impostos.

Terreiro de Bogum: Localizado no bairro Engenho Velho da Federação, onde grupos de escravos fizeram um quilombo. É o terreiro mais autêntico atual, que preserva a religião Efón e Vodu.

Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos: Fica localizada no centro histórico da cidade alta. A organização foi criada no século 18 para escravos e ex-escravos se dizerem católicos, assim eles estariam “salvos” do paganismo. A única igreja a fazer o ritual católico com liturgia africana.

Sociedade Protetora dos Desvalidos: Situada no Largo do São Francisco. A sociedade foi criada por negros alforriados, que tinham como principal função arrecadar donativos para ajudar na alforria de outros escravos.

Feira de São Joaquim: Acontecia na cidade baixa. Feira muito popular e tradicional de Salvador, também recebia o nome de Feira de água dos meninos, já que ela era realizada na orla, e a praia era um local para banho e fazer excrementos.

O que restou da escravidão:

Religião

Os historiadores acreditam que a religião africana é o legado mais forte da permanência e da resistência negra no Brasil. Em todos os museus e lugares do centro histórico de Salvador a presença da religião africana é marcante. São símbolos, rituais e marcas que preservam a relação: passado e presente.

Língua

Os dialetos africanos eram cultivados nos terreiros, durante os rituais, e para cada tipo de culto uma língua diferente era utilizada. Segundo os pesquisadores, essa foi a mudança marcante na Língua Portuguesa Brasileira. As palavras e expressões africanas trouxeram acentos e entonações diferentes para a nossa língua, o que torna o português do Brasil diferente do resto do mundo.

Leia mais:

Muitos temas históricos já serviram de inspiração para cineastas compositores, sites, jogos e quadrinhos. Confira a seguir a seleção e aprenda um pouco mais:

Livros:
Albuquerque, Wlamira e Fraga Filho, Walter - Uma História do Negro no Brasil. Brasília, Fundação aCultural Palmares, 2006 
Braga, Julio - Na gamela do feitiço. Repressão e resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador, EDUFBA, 1995 
Brito, Jilton Lima - A abolição na Bahia. Salvador: CEB, 2003 
Benci, Jorge - Economia Cristã dos senhnores no governo dos escravos 
Castro, Yeda Pessoa - Falares africanos na Bahia. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2001 
Reis, J.José - Rebelião escrava no Brasil - São Paulo: Cia. das Letras, 2003 
Ganga Zumba, de João Felício dos Santos 
Gorender, Jacob - O Escravismo Colonial - São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010 

Filme: Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (Carla Camurati,1995)

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