segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Honduras planeja entregar uma cidade inteira a investidores estrangeiros

ESCASSEZ
Tegucigalpa, capital de Honduras. De cada dez hondurenhos, seis vivem abaixo da linha de pobreza (Foto: Christian Kober/JAI/Corbis)

Uma nação pode prosperar adotando as regras de outra? O segundo país mais pobre das Américas acredita que sim. 
Trujillo foi a primeira capital de Honduras, entre 1524 e 1561. De lá para cá, suas atividades econômicas são as mesmas: pesca e comércio de frutas. No século XIX, Trujillo foi o refúgio do escritor William Porter, quando ele fugiu dos Estados Unidos, acusado de fraudes bancárias. Depois de um ano em Honduras, Porter cunhou o termo “República das Bananas”. A região de Trujillo vislumbra agora uma chance de mudar sua história, com um plano que parece saído da ficção de Porter. Ali, o governo de Honduras reserva uma área de 10 quilômetros quadrados para fundar uma cidade privatizada. Do calçamento das ruas ao policiamento, passando pela criação das leis e cobrança de taxas, tudo, segundo a proposta aprovada pelo Congresso local, será entregue a um gestor particular. O governo pretende lucrar com o aluguel da área e o desenvolvimento das regiões vizinhas.
A ideia tem fundamento teórico. O projeto de Honduras baseia-se no conceito de cidades estatutárias, formulado pelo economista Paul Romer. Professor da Universidade de Nova York, Romer foi eleito um dos 25 americanos mais influentes pela revista Time, em 1997. Romer diz que um gestor externo pode atrair investidores a países com pouca credibilidade internacional. Como exemplo de cidade que prosperou importando regras internacionais, ele cita a chinesa Shenjen, vizinha a Hong Kong. Desde 1979, quando se tornou uma “zona econômica especial”, a cidade multiplicou sua riqueza por 1.000. “Por ano, 1 milhão de pessoas deixam sua família, na América Latina, em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos”, disse Romer, numa palestra no evento TED. “Por que não replicar as regras de uma cidade americana na América Latina?”
FARTURA Shenjen, a primeira zona econômica especial criada pela China com regras especiais para atrair investidores. Em três décadas, sua riqueza foi multiplicada por 1.000 (Foto: Yuan Shuiling/AP)
O presidente de Honduras, Porfirio Lobo, que assumiu em 2010 depois da deposição de Manuel Zelaya, abraçou a ideia como forma de tentar atrair dinheiro. Segunda menor economia das Américas, com 60% da população abaixo da linha de pobreza, Honduras acumula problemas que afastam os investidores. O país tem a maior taxa de assassinatos do mundo. O ambiente político é viciado. “O governo é corrupto dos pés à cabeça”, diz Dana Frank, professor de história da Universidade da Califórnia. O Comitê de Famílias dos Detidos e Desaparecidos de Honduras afirma que, desde 2010, recebeu 10 mil reclamações de abusos de direitos humanos por forças de segurança do Estado. Marvin Ponce, vice-presidente do Congresso hondurenho, diz que metade da polícia é ligada ao crime organizado.

Um país atrai investidores quando cria regras claras e as segue. Nisso, o projeto hondurenho já falhou 
A solidez institucional explica por que certas nações dão certo e outras dão errado, afirmam os economistas Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e James Robinson, da Universidade Harvard, no livroPor que as nações fracassam. Um dos exemplos do estudo é a cidade de Nogales, dividida entre Estados Unidos e México. A parte mexicana tem renda per capita de US$ 10 mil, e taxa de homicídios de 34 por 100 mil habitantes. A parte americana tem renda per capita 46% maior, e taxa zero de homicídios. É possível transplantar a credibilidade de uma cidade americana para outras paragens? “Quem dera fosse tão simples”, diz Elliott Sclar, professor de planejamento urbano da Universidade Colúmbia.
Os formuladores do projeto hondurenho parecem ignorar que um latino nos Estados Unidos integra-se ao ambiente por estar em minoria. E que as instituições de um país desenvolvido constituem um conjunto de regras muito mais sofisticado que um mero apanhado de leis, cobradas por fiscais.Para o arrepio dos estudiosos que relacionam desenvolvimento a democracia, o projeto de cidade estatutária também prevê gestores não eleitos pelo povo. Assessor da Presidência que propôs a adoção das ideias de Romer, Octavio Rubén Sánchez diz que a cidade terá eleições apenas quando sua população estiver “pronta”. “Pode levar alguns anos”, afirma. Romer diz que as pessoas podem “votar com seus pés”, indo embora da cidade ao discordar da gestão.
Fórmulas mágicas para o desenvolvimento lembram os planos para derrubar a inflação que fracassaram no Brasil dos anos 1980. Um país ganha credibilidade e atrai investidores quando cria regras claras e as segue coerentemente ao longo do tempo. Nesse aspecto, o projeto das cidades estatutárias já falhou. Romer se afastou do governo hondurenho em setembro, alegando falta de transparência. “Algumas pessoas estavam interessadas em mudar a maneira de fazer negócios no país”, afirmou a ÉPOCA. “Outra facção queria sequestrar o controle dessa cidade, e ela conseguiu.” O projeto pode também nem sair do papel. Ele depende da aprovação da Suprema Corte do país, que questiona sua legalidade.

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